Lézio Junior |
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Escritora e psicoterapeuta Maria de Melo, de São Paulo, fala sobre o vazio existencial |
A expectativa que acompanha um novo ano em geral é sempre muito positiva. Mas para toda esta positividade ser transformada em ações e resultados é preciso compreender o tamanho da nossa força interior. Escritora e psicoterapeuta, Maria de Melo, de São Paulo, é especialista em melhorar a saúde mental das pessoas. Seu diferencial está na visão ampla, que leva em conta a dimensão espiritual do ser humano para combater o vazio emocional da sociedade nos dias de hoje.
A psicoterapeuta observa que muitos adultos, hoje, são vítimas de um imenso vazio emocional. “E o que eles não sabem é que isso se deve à relação precária que vem desde o útero, passa pela amamentação e continua nas fases seguintes”, diz.
Diante disso, ela afirma que fica tudo muito difícil fugir da depressão. “Assim, é quase impossível fugir do vazio no âmbito mais profundo, que acaba levando a perder o contato íntimo consigo mesmo, a ficar contente dentro de si, encontrar refúgio e nutrição em seu interior. Quando se está bem, em vez de se sentir sozinho e abandonado, o sentimento é de estar consigo mesmo, se refazendo, se nutrindo diretamente da vida em si”, afirma.
“Quando se está bem, a pessoa ama o tempo de silêncio e o estar só. E ama também quando este mesmo movimento de interiorização entra no ciclo de sair de si, encontrar o outro de si, dançar junto, amar. É quando ficar sozinho não é o mesmo que ficar solitário”, explica.
Maria de Melo é autora do livro “A coragem de crescer - Sonhos e histórias para novos caminhos”, já na segunda edição, pela editora Ágora, e também tem mais de 40 artigos publicados em seu próprio site (www.mariademelo.com.br). É ainda coautora de dois outros livros, “Vida a dois” (Siciliano) e “Metodologia da vegetoterapia caracteroanalítica”(Summus), além de realizar workshops no Brasil e no exterior.
É estreito seu contato com a região. “Já até comprei imóvel em um condomínio em Mirassol, pois achei a cidade linda.” Em entrevista ao Diário, Maria de Melo reflete sobre o atual período da humanidade, que na sua avaliação está mergulhada no caos, tamanho o vazio emocional.
Diário da Região - O que leva ao vazio emocional?
Maria de Melo - É preciso entender o que é vazio emocional, pois há quem confunda com pânico, depressão, angústia, ansiedade e outras emoções que surgem justamente desta sensação de vazio. A questão mais grave hoje é o que os psicólogos dão o nome de “modernidade líquida”. Na prática, o vazio emocional é uma depressão que vem de uma situação muito primitiva, um grande vazio interior.
Neste caso, a pessoa teve um problema já na vida intrauterina. Tinha ali uma mãe-útero que não estava suficientemente vitalizada para sustentar com o feto uma troca energética boa, que permitisse que o feto pudesse ir se organizando num nível e ritmo adequados, sendo sustentado por um campo-útero que lhe desse proteção, calor, energia amorosa para que ele pudesse se sentir contido, confortavelmente, num cantinho cheio de amor, com sustentação e segurança. Pelo contrário, teve uma relação rarefeita, precária, desde sua gestação.
Diário - Quem mais sofre deste vazio? Existe um culpado?
Maria de Melo- Existem graus e isto faz a diferença. Todos precisamos ficar bons em acessar os nossos recursos internos para resolver este vazio. Este é o caminho de evolução humana, ir além do vazio para preenchê-lo, de fato, com conteúdos adequados, e não apenas fugir ou tentar compensar com agitações, ilusões, drogas, falsos contatos que a sociedade oferece. Há quem só se dê conta de não fazer parte de verdade da história quando a novela acaba e ela fica de fora, sozinha, daquele mundo e de si mesma.
As diferentes formas de compensação que a mídia e a sociedade oferecem não preenchem a sensação de solidão negra de não pertencer, de não fazer parte, de estarmos isolados. Esse é o caminho da desvitalização e da depressão. Somente quando assumimos que temos de encarar nosso vazio e nossa vida, sermos companheiros firmes, consistentes de nós mesmos encontraremos dentro de nós a força que precisamos para fazer este serviço.
Aí, sim, reconstruíremos a mãe que não tivemos porque ela não pode, não conseguiu ser. E o pai, a família que nos faltou. Nós temos que assumir esta responsabilidade de nos resgatar, de nos curar. Não adianta ficar culpando os outros, os pais. Isso aconteceu no passado. Agora você é adulto e isso significa parar de culpar o outro e cuidar e curar o bebê ferido que está aí dentro de você, carente e vulnerável.
Também não adianta usar um outro jeito muito comum que a cultura nos oferece e até impõe: fingir que você é um super-homem, que não tem fragilidades, que é melhor do que os outros. Ignorar sua criança ferida é perigoso! Ela vai ficar cada vez mais doente, mais frágil. Ela mora dentro de você, e por mais que você tente ignorá-la, fingir que ela não está lá, ainda assim, ela está.
Qual é o perigo? Quando você por acaso perder seu grande emprego, ou acabar percebendo que, afinal, você não faz toda a diferença que pensava que fizesse, ou se você for traído por alguém, sua estrutura pode quebrar e você estará nu e sozinho diante do seu bebê, ele te engole e você é ele, abandonado, com medo da vida. Frágil e vulnerável e sem prática alguma de cuidar disso tudo. Então você deprime.
Diário - Qual o papel da família neste contexto?
Maria de Melo - A família atual está em crise também. Os pais - ou por trabalharem demais ou por estarem, eles mesmos, pobres emocionalmente - não conseguem mais colocar limites saudáveis para a criança, ou os colocam de forma autoritária, violenta. No mais das vezes, não dão limites porque dá muito trabalho e não dá ibope. Ou seja, a mãe, que em geral, trabalha fora, quer ser “boazinha” e portanto é melhor não dizer não. O pai anda muito ausente, ocupando-se cada vez menos da família. Vão todos trabalhar e quem educa, afinal, são as mídias (televisão, rádio, internet). Os valores morais já não vêm da família e sim da mídia.
Diário - Quais as possíveis consequências disso?
Maria de Melo - A criança precisa da relação primeira da vida, com a mãe. Desta experiência ficam as sementes da relação a dois. A intimidade profunda, o contato primordial. Se o pai estiver presente e inteiro nesta fase inicial, gestação, amamentação, ele fica na função de proteger e dar campo para a díade mãe-bebe acontecer, e deixará também sua marca ao criar o campo família. Na fase seguinte, após a amamentação, a figura paterna é essencial para a criança entrar na dimensão da relação a três e demais pessoas.
Sem a relação íntima na família a criança não preenche sua necessidade profunda de intimidade, de contato. Torna-se uma pessoa superficial, incapaz de relações íntimas verdadeiras e profundas. Afinal, as diferentes mídias não oferecem a possibilidade de troca afetiva verdadeira.
É uma relação fria, de uma via só - a criança fica passiva, ali, ouve, sente, mas não tem respostas pessoais e únicas, que ela teria numa relação com a família. Não há trocas afetivas verdadeiras. Esta é, na essência, a causa do vazio interior. Uma família bem funcional e estruturada é a base de uma personalidade equilibrada, que permitirá chegar à maturidade afetiva, com a capacidade de amar, com o prazer de amar.
Diário - Como os sonhos se refletem neste vazio, e por que algumas pessoas sequer conseguem lembrar dos seus sonhos?
Maria de Melo - Quase todos os sonhos tem um significado importante para a pessoa. A alma está sempre mandando mensagens e dicas por meio dos sonhos. Sobre qual é o melhor caminho, naquele dado momento da vida, para equilibrar aquele problema. O sonho é um tesouro que a gente pode ir buscar e usufruir dele a qualquer momento. Ou pode ignorá-lo e até morrer sem nunca ter sequer desconfiado de que tinha em si tal portal que lhe abriria muitas dimensões de vida, com riquezas inimagináveis. Mas para saber dos sonhos, passar o portal, tem que saber as senhas, é claro!
Diário - Como descobrir as senhas?
Maria de Melo - Primeiro a senha é particular e é você que tem de fazê-la. Aprender a navegar nesta internet da vida interior. Dá trabalho. A humanidade atual é muito ruim nesta tecnologia de vida interior. Nem sabe o que é isso. Não acredita e diz que não quer saber, e pronto. Prefere a excitação de jogos perigosos, de músicas alucinantes, de coisas que a deixe longe do encontro consigo mesma.
Então, a primeira senha é querer. A vontade, a decisão de procurar aprender as regras do jogo desta internet especial. É responder à depressão, à ansiedade e à angústia enfrentando-a e não fugindo dela. Neste sentido, é preciso querer sonhar. Decidir e convidar os sonhos a chegar. Levá-los a sério. Escrevê-los. Ficar com calma e silêncio diante de cada sonho e deixar que aquelas imagens cheguem, permaneçam. E ter o cuidado de não usar o método da modernidade, que é apressar o ritmo, empurrar, ser violento com seu próprio ritmo e o da vida.
Diário - Como se pode tomar consciência disso?
Maria de Melo - Consciência é sempre parte da senha. Depois você acrescenta alguns dígitos que são só seus, individuais. Consciência é a inteligência da vida, sabedoria. É diferente do que geralmente se chama de consciência, quando se está conectado apenas com a capacidade de acessar informações, guardá-las e manipulá-las. Deter conhecimento é bom, mas não leva até lá, onde a gente quer ir para evoluir.
As pessoas hoje agem como computadores e sempre têm muita informação. Mas lhes falta consciência ou sabedoria, que é mais do que informação. São informações que estão a serviço da vida, de você inteiro, como ser vivente, como pessoa e como alma. A sabedoria é o olhar inteligente que vê, entende, ama e transforma. Consciência é consciência de si mesmo, de quem - e do que - você é. De onde vem, para onde vai, da direção que está tomando, das escolhas, opções que está fazendo de fato, algo para além de si.
Achar que está fazendo mais do que de fato está. Para isso, saber os dados financeiros, ou políticos, por exemplo, não é suficiente e pode até atrapalhar. Ter consciência é saber que você é uma pessoa, um indivíduo. Você é um indivíduo e dar-se conta disso é o primeiro passo para o caminho evolutivo.
Diário - Demora muito para se obter resultados?
Maria de Melo - Você precisa se dar o seu tempo. E a mente tem que se submeter a isto, com humildade, sabendo que não sabe, querendo aprender. E quando, de repente, você começar a se alfabetizar nesta linguagem da alma, uau! Você vai ver que coisa incrível! Certas coisas a gente só sabe se vivenciar. Você tem que viver isso, fazer você mesmo a experiência da intuição, da alma, de entrar em lugares dentro de você que nunca imaginou existir, acessar forças inimaginavelmente potentes. As pessoas hoje têm medo de si mesmas. Têm medo da vida interior.
Diário - Tem solução quando o vazio causa sofrimento mental?
Maria de Melo - Em alguns casos, nos mais graves dos quais falei no princípio, é bom procurar um psiquiatra que lhe dê uma ajuda farmacológica. Bem receitado, se o médico compreendeu bem o que acontece, o remédio pode dar um bom pacote de energia que vai ajudar a pessoa a se reconstruir. Seria ótimo um processo psicoterapêutico, um outro ser humano, que esteja numa posição melhor energeticamente, como estrutura emocional, oferecer um campo afetivo intelectual que permita à pessoa se recuperar, se refazer, ou se fazer.
O campo terapêutico pode dar ao paciente um campo que lhe faltou na vida, para que possa vivenciar um novo padrão de relação, uma relação que viabiliza trocas afetivas e percepções que alavanquem a energia da pessoa, do terapeuta, e da relação. O que quero dizer é que quando a relação é boa, é boa para todos os envolvidos. Esta relação é terapêutica, cura as feridas emocionais, cura o vazio porque oferece saídas novas para caminhar na vida, para retomar o processo de evolução que ficou inviabilizado ou dificultado por experiências traumáticas no passado ou mesmo no presente. A relação terapêutica é também como um sistema vivo, um organismo que nasce, cresce, evolui.
Diário - E quando não é possível fazer psicoterapia?
Maria de Melo - Caso não se possa procurar uma psicoterapia é importante a pessoa acolher a si mesma como uma boa mãe o faria. E como um pai o faria. Ou irmãos. Se levar a sério, tomar consciência de que algo está errado. E ter a coragem de ficar diante de si mesmo, nu diante de si mesmo, com uma disposição de se amar de verdade e não de ignorar a si mesmo, ou culpar a si mesmo.
E se você está sempre colocando a culpa nos outros, nas situações, algo não vai bem. De alguma forma, em algum nível, cada um constrói a própria vida. Aquilo que você está vivendo é de sua responsabilidade. Seja responsável consigo mesmo, dê valor real a esta vida que lhe foi dada. Tenha coragem, busque ajuda, inclusive na literatura.
Diário - A religião pode ajudar a suprir esse vazio?
Maria de Melo - Uma grande parcela da humanidade sabe que tem de se transformar. E para isso torna-se necessário acessar um novo padrão, um novo paradigma, uma nova forma de ser e estar na vida. Sem as fontes de energias mais sutis, que podemos chamar de espirituais, não temos força de alavancagem de evolução, não faremos o salto evolutivo forte que temos agora que fazer, como pessoas, indivíduos, e como humanidade.
Para tal, é preciso acessar a intuição, que está além do puramente físico, emocional e mental. O nível intuitivo está na dimensão da alma, de um corpo que não tem a mesma densidade energética e vibracional da matéria que chamamos de matéria física, do qual nosso corpo físico é feito.Há uma epidemia de um outro tipo de vazio interior. É o vazio existencial, é a fome do divino, do espiritual.
Estas pessoas perderam o apetite em meio ao cardápio materialista e consumista que circula por aí. A agitação não mais é confundida com vibração de energia, vida, vitalidade. A vida fica sem sentido. Temos saudade da alma. Saudade de algo que, às vezes, nem se conhece, no nível superficial de nós. Mas lá, no fundo da alma, algo chama, chora, sedento, faminto. Muitas vezes tal angústia existencial é confundida com depressão, com aquelas feridas primitivas, buracos que precisam ser preenchidos.
Não é depressão. É fome de alma. É cansaço da futilidade total que toma conta da vida chamada moderna. O materialismo exacerbado tornou as pessoas seres sem alma. Estamos sedentos de contato verdadeiro consigo mesmo e com os outros, queremos saber (sentir o sabor) do que somos no mais profundo de nós, de nossa vida interior, da vida da alma.
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