domingo, 18 de maio de 2014

Bento XVI sobre as famílias

Matrimónio e família não são, na realidade, uma construção sociológica casual, fruto de particulares situações históricas e económicas. Ao contrário, a questão da justa relação entre o homem e a mulher afunda as suas raízes dentro da essência mais profunda do ser humano e pode encontrar a sua resposta só a partir dela. Isto é, não pode estar separada da pergunta antiga e sempre nova do homem sobre si mesmo: quem sou? O que é o homem? E esta pergunta, por sua vez, não pode ser separada da interrogação acerca de Deus: Deus existe? E quem é Deus? Qual é verdadeiramente o seu rosto? A resposta da Bíblia a estas duas interrogações é unitária e consequencial: o homem é criado à imagem de Deus, e o próprio Deus é amor. Por isso a vocação para o amor é aquilo que faz com que o homem seja a autêntica imagem de Deus: ele torna-se semelhante a Deus na medida em que ama.
Deste vínculo fundamental entre Deus e o homem tem origem outro: o vínculo indissolúvel entre espírito e corpo: de facto, o homem é alma que se exprime no corpo e corpo que é vivificado por um espírito imortal. Também o corpo do homem e da mulher tem, por conseguinte, por assim dizer, um carácter teológico, não é simplesmente corpo, e o que é biológico no homem não é só biológico, mas expressão e cumprimento da nossa humanidade. De igual modo, a sexualidade humana não está ao lado do nosso ser pessoa, mas pertence-lhe. Só quando a sexualidade se integra na pessoa, consegue dar um sentido a si mesma.
Assim, dos dois vínculos, do homem com Deus e, no homem, do corpo com o espírito, brota um terceiro: o vínculo entre pessoa e instituição. A totalidade do homem inclui de facto a dimensão do tempo, e o "sim" do homem é um ir além do momento presente: na sua inteireza, o "sim" significa "sempre", constitui o espaço da fidelidade. Só dentro dele pode crescer aquela fé que dá um futuro e permite que os filhos, fruto do amor, creiam no homem e no seu futuro em tempos difíceis. Por conseguinte, a liberdade do "sim" revela-se liberdade capaz de assumir o que é definitivo: a maior expressão da liberdade não é então a busca do prazer, sem jamais alcançar uma verdadeira decisão. Aparentemente esta abertura permanente parece ser a realização da liberdade, mas não é verdade: a verdadeira expressão da liberdade é a capacidade de decidir por uma doação definitiva, na qual a liberdade, doando-se, se reencontra plenamente a si mesma.
Em concreto, o "sim" pessoal e recíproco do homem e da mulher abre o espaço para o futuro, para a autêntica humanidade de cada um, e ao mesmo tempo está destinado à doação de uma nova vida. Por isso, este "sim" pessoal não pode deixar de ser um "sim" também publicamente responsável, com o qual os cônjuges assumem a responsabilidade pública da fidelidade que garante também o futuro para a comunidade. Com efeito, nenhum de nós pertence exclusivamente a si mesmo: portanto, cada um está chamado a assumir no mais íntimo de si a própria responsabilidade pública. O matrimónio como instituição não é, por conseguinte, uma ingerência indevida da sociedade ou da autoridade, a imposição externa de uma forma na realidade mais privada que é a vida; ao contrário, é exigência intrínseca do pacto de amor conjugal e da profundidade da pessoa humana.

"A verdade do matrimônio e da família, que afunda as suas raízes na verdade do homem, encontrou atuação na história da salvação, em cujo centro está a palavra: "Deus ama o seu povo". A revelação bíblica, de facto, é antes de tudo expressão de uma história de amor, a história da aliança de Deus com os homens: por isso, a história do amor e da união de um homem e de uma mulher na aliança do matrimônio pôde ser assumida por Deus como símbolo da história da salvação. O facto inexprimível, o mistério do amor de Deus pelos homens, recebe a sua forma linguística do vocabulário do matrimônio e da família, em positivo e em negativo: de facto, o aproximar-se de Deus ao seu povo é apresentado na linguagem do amor esponsal, enquanto que a infidelidade de Israel, a sua idolatria, é designada como adultério e prostituição." Bento XVI

No Novo Testamento Deus radicaliza o seu amor até se tornar Ele mesmo, no seu Filho, carne da nossa carne, verdadeiro homem. Desta forma, a união de Deus com o homem assumiu a sua forma suprema, irreversível e definitiva. Assim, é traçada também para o amor humano a sua forma definitiva, aquele "sim" recíproco que não pode ser revogado: ela não aliena o homem, mas liberta-o das alienações da história para o conduzir à verdade da criação. A sacramentalidade que o matrimónio assume em Cristo significa portanto que o dom da criação foi elevado à graça de redenção. A graça de Cristo não se acrescenta de fora à natureza do homem, não lhe faz violência, mas liberta-a e restaura-a, precisamente ao elevá-la acima dos seus próprios limites. Assim como a encarnação do Filho de Deus revela o seu verdadeiro significado na cruz, também o amor humano autêntico é doação de si, e não pode existir se pretender subtrair-se à cruz.
Também na geração dos filhos o matrimónio reflecte o seu modelo divino, o amor de Deus pelo homem. No homem e na mulher a paternidade e a maternidade, como o corpo e como o amor, não se deixam circunscrever no biológico: a vida só é dada totalmente quando, com o nascimento, são dados também o amor e o sentido que fazem com que seja possível dizer sim a esta vida. Precisamente disto se torna totalmente evidente como é contrário ao amor humano, à vocação profunda do homem e da mulher, fechar sistematicamente a própria união à doação da vida, e ainda mais suprimir ou violar a vida que nasce.

De tudo isto surge uma consequência evidente: a família e a Igreja, em concreto, as paróquias e as outras formas de comunidade eclesial, estão chamadas à colaboração mais estreita naquela tarefa fundamental que é constituída, inseparavelmente, pela formação da pessoa e pela transmissão da fé. Sabemos bem que para uma autêntica obra educativa não é suficiente uma teoria justa ou uma doutrina a ser comunicada. Há necessidade de algo muito maior e humano, daquela proximidade, quotidianamente vivida, que é própria do amor e que encontra o seu espaço mais propício na comunidade familiar, e depois também numa paróquia, movimento ou associação eclesial, em que se encontrem pessoas que se ocupam dos irmãos, em particular das crianças, mas também dos adultos, dos idosos, dos doentes, das próprias famílias, porque, em Cristo, os amam. O grande Padroeiro dos educadores, São João Bosco, recordava aos seus filhos espirituais que "a educação é algo do coração e que só Deus é o seu dono" (Epistolário, 4, 209).
Central na obra educativa, e especialmente na educação para a fé, que é o vértice da formação da pessoa e o seu horizonte mais adequado, é em concreto a figura da testemunha: ela torna-se ponto de referência precisamente enquanto sabe dizer a razão da esperança que anima a sua vida (cf. 1 Pd 3, 15), e está pessoalmente comprometida com a verdade que propõe. Por outro lado, a testemunha nunca se propõe a si mesma como ponto de referência, mas propõe algo, ou melhor Alguém maior do que ela que encontrou e de quem experimentou a bondade confiante. Assim, cada educador e testemunha encontra o seu modelo insuperável em Jesus Cristo, a grande testemunha do Pai, que nada dizia de si mesmo, mas falava como o Pai lhe tinha ensinado (cf. Jo 8, 28).

Este é o motivo pelo qual na base da formação da pessoa cristã e da transmissão da fé está necessariamente a oração, a amizade pessoal com Cristo e a contemplação n'Ele do rosto do Pai. Evidentemente, o mesmo é válido para qualquer nosso compromisso missionário, em particular para a pastoral familiar: a Família de Nazaré seja, portanto, para as nossas famílias e para as nossas comunidades, objecto de oração constante e confiante, além de ser modelo de vida. 

A relação educativa é por sua natureza uma coisa delicada: de facto, ela chama em causa a liberdade do outro que, mesmo se docemente, é contudo sempre provocada a uma decisão. Nem os pais, nem os sacerdotes ou os catequistas, nem os outros educadores se podem substituir à liberdade da criança, do adolescente ou do jovem a quem se dirigem. E especialmente a proposta cristã interpela profundamente a liberdade, chamando-a à fé e à conversão. Hoje, um obstáculo particularmente insidioso à obra educativa é constituído pela presença maciça, na nossa sociedade e cultura, daquele relativismo que, nada reconhecendo como definitivo, deixa sozinho, como última medida, o próprio eu com as suas decisões, e sob a aparência da liberdade torna-se para cada um uma prisão, porque separa uns dos outros, reduzindo cada um a permanecer fechado dentro do seu "Eu". Dentro de um horizonte relativista como este não é possível, portanto, uma verdadeira educação: sem a luz da verdade; mais cedo ou mais tarde cada pessoa está, de facto, condenada a duvidar da bondade da sua própria vida e das relações que a constituem, do valor do seu compromisso para construir com os outros algo em comum.




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