segunda-feira, 4 de novembro de 2013

TEOLOGIA DO CORPO

Quarta-feira, 19 de Dezembro de 1979
Plenitude personalista da inocência original
1. Que vem a ser a vergonha e como explicar a falta dela no estado de inocência original, na profundidade
mesma do mistério da criação do homem como varão e mulher? Das análises que agora se fazem da
vergonha — e em especial do pudor sexual — deduz-se a complexidade desta experiência fundamental, em
que o homem se exprime como pessoa, segundo a estrutura que lhe é própria. Na experiência do pudor, o
ser humano tem a sensação de temor diante do «segundo eu» (assim, por exemplo, a mulher diante do
homem), sendo isto substancialmente temor quanto ao próprio «eu». Com o pudor, manifesta o ser humano
quase «instintivamente» a necessidade da afirmação e da aceitação deste «eu», segundo o seu justo valor.
Experimenta-o ao mesmo tempo não só dentro de si mesmo mas também externamente, diante do «outro».
Pode-se dizer portanto que o pudor é experiência complexa, também no sentido de que, quase afastando
um ser humano do outro (a mulher do homem), ele procura ao mesmo tempo a aproximação pessoal de
ambos, criando para ela base e nível convenientes.
Pela mesma razão, tem ele significado fundamental quanto à formação do ethos na convivência humana, e
em particular na relação homem-mulher. A análise do pudor mostra com clareza a profundidade com que ele
está radicado precisamente nas relações mútuas, quão exatamente exprime as regras essenciais à
«comunhão das pessoas», e ao mesmo tempo quão profundamente toca as dimensões da «solidão»
original do homem. Aparecer a «vergonha» na narração bíblica seguinte, no capítulo 3 do Gênesis, tem
significado pluridimensional, e a seu tempo convir-nos-á retomar-lhe a análise.
Que significa, por outro lado, a original falta da mesma em Gênesis 2, 25: Estavam ambos nus ..., mas não
sentiam vergonha?
2. É necessário começar por estabelecermos que se trata de verdadeira não-presença da vergonha, e não
duma carência ou subdesenvolvimento dela. Não podemos aqui defender dalgum modo uma
«primitivização» do seu significado. Portanto o texto de Gênesis 2, 25 não só exclui decididamente a
possibilidade de pensar numa «falta de vergonha», ou seja na impudicícia, mas ainda mais exclui que ela se
explique mediante a analogia com algumas experiências humanas positivas, como por exemplo, as da idade
infantil ou da vida das chamadas populações primitivas. Tais analogias são não só insuficientes, mas podem
mesmo desiludir. As palavras de Gênesis 2, 25, «não sentiam vergonha», não exprimem carência, mas, pelo
contrário, servem para indicar especial plenitude de consciência e de experiência, sobretudo a plenitude de 
compreensão do significado do corpo, ligada ao fato de «estarem nus».
Que assim se deve compreender e interpretar o texto citado, testemunha-o a continuação da narrativa 
javista na qual o aparecer da vergonha e, em particular, do pudor sexual, está relacionado com a perda 
daquela plenitude original. Pressupondo, pois, a experiência do pudor como experiência «de confim», 
devemos perguntar-nos a que plenitude de consciência e de experiência, e em particular a que plenitude de 
compreensão do significado do corpo corresponde o significado da nudez original, de que fala Gênesis 2, 
25.
3. Para responder a esta pergunta, é necessário ter presente o processo analítico até agora seguido, que se 
baseia no conjunto da passagem javista. Em tal contexto, a solidão original do homem manifesta-se como 
«não-identificação» da própria humanidade com o mundo dos seres vivos (animalia) que o circundam.
Essa «não-identificação», em seguida à criação do homem como varão e mulher, cede o lugar à feliz 
descoberta da própria humanidade «com o auxílio» do outro ser humano; assim reconhece e reencontra o 
homem a própria humanidade «com o auxílio» da mulher (Gén. 2, 25). Este ato de ambos realiza ao mesmo 
tempo uma percepção do mundo, que se atua diretamente através do corpo («carne da minha carne»). E tal 
ato é a fonte direta e visível da experiência que chega a estabelecer a unidade dos dois na humanidade. Por 
isso, não é difícil compreender que a nudez corresponde àquela plenitude de consciência do significado do 
corpo, que deriva da percepção típica dos sentidos. É lícito pensar nesta plenitude usando categorias de 
verdade do ser ou da realidade, e pode dizer-se que o homem e a mulher eram originalmente dados um ao 
outro precisamente segundo tal verdade, enquanto «estavam nus». Na análise do significado da nudez 
original, não se pode de maneira nenhuma prescindir desta dimensão. Participar na percepção do mundo — 
no seu aspecto «exterior» — é fato direto e quase espontâneo, anterior a qualquer complicação «crítica» do 
conhecimento e da experiência humana e parece estreitamente unido com a experiência do significado do 
corpo humano. Já assim se poderia perceber a inocência original do «conhecimento».
4. Todavia, não se pode descobrir o significado da nudez original considerando só a participação do homem 
na percepção exterior do mundo; não se pode estabelecer esse significado sem descer ao íntimo do 
homem. Gênesis 2, 25 introduz-nos exatamente neste nível e quer que nós procuremos nele a inocência original do conhecer. De fato, é com a dimensão da interioridade humana que se tem de explicar e mediar 
aquela especial plenitude da comunicação interpessoal, que levava o homem e a mulher a «estarem nus 
mas não sentirem vergonha».

O conceito de «comunicação», na nossa linguagem convencional, quase desapareceu devido à sua mais 
profunda e original matriz semântica. Fica ligado sobretudo à esfera dos meios, quer dizer, na maior parte 
ao que serve para o entendimento, para a troca e a aproximação. Por outro lado, é lícito supor que, no seu 
significado original e mais profundo, a «comunicação» estava e está diretamente relacionada com sujeitos 
«comunicantes», precisamente baseados na «comum união» existente entre eles, quer para atingirem quer 
para exprimirem uma realidade que é própria e de interesse, só na esfera dos sujeitos-pessoas. Deste 
modo, o corpo humano adquire significado completamente novo, que não pode colocar-se no plano da 
subsistente percepção «externa» do mundo. De fato, exprime a pessoa na sua consistência ontológica e 
existencial, que é alguma coisa mais que o «indivíduo», e por conseguinte exprime o «eu» humano pessoal, 
que funda, a partir de dentro, a sua percepção «exterior».
5. Toda a narrativa bíblica, e em particular o texto javista, mostra que o corpo, através da própria 
visibilidade, manifesta o homem e, manifestando-o, faz de intermediário, isto é, faz que o homem e a 
mulher, desde o princípio, «comuniquem» entre si segundo aquela communio personarum querida pelo 
Criador exatamente para eles. Só esta dimensão, ao que parece, nos permite compreender de modo 
apropriado a significação da nudez original. A este propósito, qualquer critério «naturalista» está destinado a 
falir, ao passo que o critério «personalista» pode ser de grande auxílio. Gênesis 2, 25 fala certamente dalgo 
extraordinário, que está fora dos limites do pudor conhecido pelo trâmite da experiência humana e ao 
mesmo tempo decide da especial plenitude da comunhão interpessoal, radicada no coração mesmo 
daquela communio, que é assim revelada e desenvolvida. Em tal relação, as palavras «não sentiam 
vergonha» podem significar (in sensu obliquo) somente uma original profundidade em afirmar o que é 
inerente à pessoa, o que é «visivelmente» feminino e masculino, através do que se constitui a «intimidade 
pessoal» da comunhão recíproca, em toda a sua radical simplicidade e pureza. A esta plenitude de 
percepção «exterior», expressa mediante a nudez física, corresponde a «interior» plenitude da visão do 
homem em Deus, isto é, segundo a medida da «imagem de Deus» (Cfr. Gén. 1, 17). Segundo esta medida, 
o homem «está» verdadeiramente nu («estavam nus»: Gén. 2, 25) (1), antes ainda de o reconhecerem (Cfr. 
Gén. 3, 7-10).
Temos ainda de, nas próximas meditações, completar a análise deste texto tão importante.

Nota

1. Deus, segundo as palavras da Sagrada Escritura, penetra na criatura, que diante dele está totalmente 
«nua». «Não há nenhuma criatura invisível na Sua presença, pois todas as coisas estão a nu (panta gymná) 
e a descoberto aos olhos d'Aquele a quem devemos prestar contas» (Heb. 4, 13). Esta característica 
pertence em particular à Sabedoria Divina: «A sabedoria ... atravessa e penetra tudo, graças à sua pureza» 
(Sab. 7, 24).
Aos jovens Casais
Caríssimos jovens Casais!
Também a vós chegue de modo muito especial a minha reconhecida saudação e as minhas Boas-Festas de 
Natal e Feliz Ano, na nova vida que iniciastes! A meditação natalícia sobre o Menino Jesus – nascido na 
pobreza de Belém, mas com a riqueza do amor de Maria e de José vos leve a serdes sempre testemunhas 
convictas da alegria suprema do Natal.
Jesus nasceu por nós, veio também para iluminar, de modo definitivo, o valor do amor, a verdadeira 
natureza do matrimônio, a alegre e séria responsabilidade de dar a vida a novas criaturas, por Ele 
desejadas, amadas, remidas e destinadas para a felicidade eterna.
Os meus votos de felicidade e a minha Bênção vos acompanhem.

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