segunda-feira, 4 de novembro de 2013

TEOLOGIA DO CORPO

Quarta-feira, 19 de Setembro de 1979
Na segunda narrativa da criação encontra-se a definição subjectiva do homem
1. Referindo-nos às palavras de Cristo sobre o tema do matrimônio, em que Ele apela para o «princípio»,
dirigimos a nossa atenção, há uma semana, para a primeira narrativa da criação do homem no Livro do
Gênesis (Gén. 1) Hoje passaremos à segunda que, sendo Deus nela chamado «Javé», é muitas vezes
denominada «javista».
A segunda narrativa da criação do homem (ligada à apresentação tanto da inocência e felicidade original
como da primeira queda) tem, por sua natureza, carácter diverso. Embora não querendo antecipar as
particularidades desta narrativa — porque nos convirá apelar para elas nas outras análises — devemos
reconhecer que todo o texto, ao formular a verdade sobre o homem, nos maravilha com a sua profundidade
típica, diversa da do primeiro capítulo do Gênesis. Pode-se dizer que é profundidade, de natureza sobretudo
subjectiva, e portanto, em certo sentido, psicológica. O capítulo 2.° do Gênesis constitui, em certo modo, a
mais antiga descrição e registo da auto-compreensão do homem e, juntamente com o capítulo 3°, é o
primeiro testemunho da consciência humana. Com aprofundada reflexão sobre este texto — por meio de
toda a forma arcaica da narração, que manifesta o seu primitivo carácter mítico(1) — encontramos nele «in
nucleo» quase todos os elementos da análise do homem, aos quais é sensível a antropologia filosófica
moderna e sobretudo contemporânea. Poder-se-ia dizer que Gênesis 2 apresenta a criação do homem
especialmente no aspecto da sua subjetividade. Confrontando entre si ambas as narrativas, chegamos à
convicção que esta subjetividade corresponde à realidade objectiva do homem, criado «à imagem de
Deus». E também este fato é— doutro modo —importante para a teologia do corpo, como veremos nas
análises seguintes.
2. É significativo, na sua resposta aos fariseus em que apela para o «princípio», indicar Cristo
primeiramente a criação do homem com referência a Gén. 1, 27: O Criador no princípio criou-os homem e
mulher; só em seguida cita o texto de Gênesis 2, 24. As palavras, que diretamente descrevem a unidade e
indissolubilidade do matrimônio, encontram-se no contexto imediato da segunda narrativa da criação, cuja
passagem característica é a criiação separada da mulher (Cfr. Gén. 2, 18-23), ao passo que a narrativa da
criação do primeiro homem (macho) se encontra em Gênesis 1, 5-7. A este primeiro ser humano chama a
Bíblia «homem» ('adam), ao passo que, desde o momento da criação da primeira mulher, começa a
chamar-lhe «macho», 'is, em relação com 'issâh («fêmea», porque foi tirada do macho, 'is) (2). E é também
significativo que, referindo-se a Gênesis 2, 24, Cristo não só liga o «princípio» com o mistério da criação,
mas também nos conduz, por assim dizer, ao confim entre a primitiva inocência do homem e o pecado
original. A segunda narrativa da criação do homem foi fixada no Livro do Gênesis exatamente em tal
contexto. Nele lemos, primeiro que tudo: Da costela que retirara do homem, o Senhor Deus fez a mulher e
conduziu-a até ao homem. Ao vê-la, o homem exclamou: «esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne
da minha carne. Chamar-se-á mulher, visto ter sido tirada do homem» (Gén. 2, 22-23). Por este motivo, o
homem deixará o pai e a mãe para se unir a sua mulher; e os dois serão uma só carne (Gén. 2, 24)

Estavam ambos nus, tanto o homem como a mulher, mas não sentiam vergonha (Gén. 2, 25).
3. Em seguida, imediatamente depois destes versículos, começa Gênesis 3, a narrativa da primeira queda
do homem e da mulher, narrativa ligada com a árvore misteriosa, que já antes fora chamada árvore da
ciência do bem e do mal (Gén. 2, 17). Cria-se com isto uma situação completamente nova, essencialmente
diversa da precedente. A árvore da ciência do bem e do mal é uma linha de demarcação entre as duas
situações originais, de que fala o Livro do Gênesis. A primeira situação é de inocência original, em que o
homem (macho e fêmea) se encontra quase fora da ciência do bem e do mal, até ao momento em que
transgride a proibição do Criador e come o fruto da árvore da ciência. A segunda situação, pelo contrário, é
aquela em que o homem, depois de transgredir o mandamento do Criador por sugestões do espírito maligno
simbolizado pela serpente, se encontra, em certo modo, dentro do conhecimento do bem e do mal. Esta
segunda situação determina o estado de pecaminosidade humana, contraposto ao estado de inocência
primitiva.

Se bem que o texto javista seja no conjunto muito conciso, basta contudo para diferenciar e contrapor com 
clareza aquelas duas situações originais. Falamos aqui de situações, tendo diante dos olhos a narrativa que 
é descrição dos acontecimentos. Apesar de tudo, através desta descrição e de todas as suas 
particularidades, surge a diferença essencial entre o estado de pecaminosidade do homem e o da sua 
inocência original (3) . A teologia sistemática descobrirá nestas duas situações antitéticas dois estados 
diversos da natureza humana: status naturae integrae (estado de natureza íntegra) e status naturae lapsae 
(estado de natureza decaída). Tudo isto deriva daquele texto «javista» de Gênesis 2 e 3, que encerra em si 
a mais antiga palavra da revelação, e tem evidentemente um significado fundamental quer para a teologia 
do homem quer para a teologia do corpo.
4. Quando Cristo, referindo-se ao «princípio», manda os seus interlocutores para as palavras escritas em 
Gênesis 2, 24, ordena-lhes, em certo sentido, que ultrapassem o confim que, no texto javista do Gênesis, se 
interpõe entre a primeira e a segunda situação do homem. Não aprova o que «por dureza do coração» 
Moisés permitiu, e refere-se às palavras da primeira ordem divina, que neste texto está expressamente 
ligada ao estado de inocência original do homem. Significa isto que tal ordem não perdeu o seu vigor, ainda 
que o homem tenha perdido a inocência primitiva. A resposta de Cristo é decisiva e sem equívocos. Por 
isso, devemos tirar dela as conclusões normativas, que têm significado essencial não só para a ética, mas 
sobretudo para a teologia do corpo, a qual, como um momento particular da antropologia teológica, se 
constitui sobre o fundamento da palavra de Deus que se revela como é. Procuraremos tirar essas 
conclusões durante o próximo encontro.
(1) Se na linguagem do racionalismo do século XIX, o termo «mito» indicava aquilo que não se encontra na 
realidade, o produto da imaginação (Wundt) ou o que é irracional (Lévy-Bruhl), o século XX modificou o 
conceito de mito.
L. Walk vê no mito a filosofia natural, primitiva e irracional; R. Otto considera-o instrumento de conhecimento 
religioso; enquanto para C. G. Jung, o mito é a manifestação dos arquétipos e a expressão do «incônscio 
colectivo», símbolo dos processos interiores.
M. Eliade descobre no mito a estrutura da realidade que é inacessível à investigação racional e empírica: o 
mito transforma de fato o acontecimento em categoria e torna uma pessoa capaz de atingir a realidade 
transcendente; não é apenas símbolo dos processos interiores (como afirma Jung), mas ato autónomo e 
criativo do espírito humano, mediante o qual se realiza a revelação (cfr. Traité d'histoire des religions, Paris 
1949, pág. 363; Images et symboles, Paris 1952, págs. 199-235.
Segundo P. Tillich o mito é um símbolo, constituído por elementos da realidade, para apresentar o absoluto 
e a transcendência do ser, aos quais tende o ato religioso.
H. Schlier insiste em que o mito não conhece os fatos históricos e não precisa deles, pois descreve o que é 
destino cósmico do homem que e sempre o mesmo.
Por fim, o mito tende a conhecer o que é incognoscível.
Segundo P. Ricoeur: «Le mythe est autre chose qu'une explication du monde, de l'histoire et de la destinée; 
il exprime, en terme de monde, voire d'outre-monde ou de second monde, la compréhesion que l'homme 
prend de lui-même par rapport au fondement et à la limite de son existence. (...) Il exprime dans un langage 
objectif le sens que l'homme prend de sa dépendance à 1'égard de cela qui se tient à la limite et à 1'origine 
de son monde» (P. RICOEUR, Le conflit des interprétations, Paris, Seuil, 1969, pág. 383).
«Le mythe adamique est par excellence le mythe anthropologique; Adam veut dire Homme; mais tout mythe 
de l'«homme primordial» n'est pas «myte adamique», qui ... est Seul proprement anthropologique; par là 
trois traits sont désignées:
— le myte étiologique rapporte l'origine du mal à un ancêtre de l'humanité actuelle dont la condition est 
homogène à la nôtre (...)
— le mythe étiologique est la tentative la plus extrême pour dédoubler 1'origine du mal et du bien. L'intention 
de ce mythe est de donner consistance à une origine radicale du mal distincte de 1'origine plus originaire de 
l'être-bon des choses. (...). Cette distinction du radical et d'originaire est essentielle au caractère 
anthropologique du mythe adamique; c'est elle qui fait de l'homme un commencement du mal au seuil d'une 
création qui a déjà son commencement absolu dans lacte créateur de Dieu.
— le mythe adamique subordonne à la figure centrale de l'homme primordial d'autres figures qui tendent à 
décentrer le récit, sans pourtant supprimer le primat de la figure adamique. (...)
Le mythe, en nommant Adam, l'homme, explicite l'universalité concrète du mal humain; l'esprit de pénitence 
se donne dans le mythe adamique le symbole de cette universalité. Nous retrouvons ainsi (...) la fonction 
universalisante du mythe. Mais en même temps nous retrouvons les deux autres fonctions, également 
suscitées par l'expérience pénitentielle (...). Le mythe proto-historique servit ainsi non seulement à 
généraliser 1'expérience d'Israël à l'humanité de tous les temps et de tous les lieux, mais à étendre à celle-ci 
la grande tension de la condamnation et de la miséricorde que les prophètes avaient enseigné à discerner 
dans le propre destin d'Israël.
Enfin, dernière fonction du mythe, motivée dans la foi d'Israël: le mythe prépare la spéculation en explorant 
le point de rupture de 1'ontologique et de 1'historique» (P. RICOEUR, Finitude et culpabilité: II. Symbolique 
du mal, Paris 1960, Aubier, págs. 218-227).
(2) Quanto à etimologia, não se exclui que o termo hebraico 'is derive duma raiz que significa «força» ('is ou 
'ws); e 'issa está ligada a uma série de termos semitas, cujo significado oscila entre «fêmea» e «esposa».
A etimologia proposta pelo texto bíblico é de carácter popular e serve para insistir na unidade da 
proveniência do homem e da mulher; isto parece confirmado pela assonância de ambas as palavras.
(3) «A própria linguagem religiosa exige a transposição de 'imagens' ou, melhor, 'modalidades simbólicas', 
para 'modalidades conceituais' de expressão.
À primeira vista esta transposição pode parecer mudança puramente extrínseca (...). A linguagem simbólica 
parece inadequada para tomar o caminho do conceito por um motivo que é peculiar da cultura ocidental. 
Nesta cultura, a linguagem religiosa foi sempre condicionada por outra linguagem, a filosófica, que é a 
linguagem conceituai por excelência (...). Se é verdade que um vocabulário religioso é compreendido só 
numa comunidade que o interpreta e segundo uma tradição de interpretação, é também verdade que não 
existe tradição de interpretação que não tome como intermediário alguma concepção filosófica.
A palavra 'Deus', que nos textos bíblicos recebe o próprio significado da convergência de diversos modos do 
falar (narrativas e profecias, textos de legislação e literatura sapiencial, provérbios e hinos) — vista, esta 
convergência, seja como ponto de intersecção seja como horizonte a fugir de toda e qualquer forma—teve 
de ser absorvida no espaço conceitual, para ser reinterpretada nos termos do Absoluto filosófico, como 
primeiro motor, causa primeira, Actuus Essendi, ser perfeito, etc. O nosso conceito de Deus pertence, por 
conseguinte, a uma onto-teologia, na qual se organiza toda a constelação das palavras-chaves da 
semântica teológica, mas numa moldura de significações ditadas pela metafísica» (PAUL RICOEUR, 
Ermeneutica bíblica, Brescia 1978, Morcelliana, págs. 140-141; título original: Biblical Hermeneutics, 
Montana 1975).
A questão sobre se a redução metafísica exprime realmente o conteúdo que a linguagem simbólica e 
metafórica esconde em si, é assunto à parte.

Aos jovens Casais
Caríssimos jovens Casais! Também para vós reservo a minha saudação especial, unida às felicitações e, 
bons votos pela vossa nova vida!
É lógico que se dirijam aos jovens Casais bons votos de alegria imperecedoura no amor recíproco e na 
consecução dos comuns ideais que se propuseram.
Mas o segredo da vossa consolação está na presença de Cristo que vos uniu no matrimônio com a sua 
graça divina. Permanecei unidos em Cristo: eis os meus votos! A presença de Jesus, na vossa casa, no 
vosso amor, nas vossas escolhas, seja sempre a luz que vos ilumine e a consolação que vos alegre.
Com a minha Bênção e a minha constante benevolência.
Apelo
Desejo agora fazer-me, mais uma vez, intérprete da dor de uma família, atingida nos seus afetos mais 
queridos pela chaga, que alastra, dos sequestros de pessoa. Trata-se da família Casana, de Turim, à qual 
foram raptados há quase um mês, os dois filhos, Giorgio e Marina, respectivamente de 14 e 15 anos.
Como exprimir o desânimo e a execração perante este ato de violência sem nome que atinge, com 
determinação cruel, quem, devido à sua tenra idade, é mais frágil e inerme? Não terá ficado, no ânimo dos 
rapinadores, uma centelha de humanidade que os disponha a acolher este meu apelo à compreensão da 
ansiedade que dilacera o coração dos pais? Não posso consolar-me em pensar nisso, e por conseguinte, 
convido todos a que vos unais à minha oração, a fim de que o Senhor comova os responsáveis e os leve a 
restituir, quanto antes, os dois jovens, sãos e salvos, ao afeto da família. 


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