segunda-feira, 9 de junho de 2014

Filhos apátridas: A figura ausente do pai

Filhos apátridas: A figura ausente do pai

André Gonçalves Fernandes
Com anos e anos de trabalho em matéria de direito de família, pude notar uma série de transformações em seu conteúdo, nuances naturais antes pouco valorizadas e agora incorporadas pelas leis, mudança do sentido e do alcance da noção de família entre outras novidades.
Contudo, uma delas causa-me um certo espanto, não só pelo problema em si, mas pelos efeitos nefastos que estão tomando uma dimensão crescente na sociedade: a ausência do pai na educação familiar, pano de fundo das inúmeras ações de família julgadas diariamente, com doses cada vez maiores de psicologia familiar.
A ausência do pai na educação familiar sempre foi uma tradição. Hoje, a falta do pai virou desterro: ele foi expulso do âmbito familiar e esta carência, que não se resume à ausência física, adentra em outros setores que resultam irrenunciáveis para a formação dos filhos. Cada relatório psicossocial que leio num processo é sempre uma desventura e a decisão do juiz acaba por ser uma espécie de política familiar de redução de danos ao caso concreto.
Hoje, a falta do pai é, além de física, sobretudo emotiva, cognitiva e espiritual. Tais privações influem em todos os filhos, mas as consequências repercutem mais nos filhos varões, tônica de nossas linhas. O eclipse da paternidade gera uma relação mais empobrecida entre pai e filho, pois a vida de ambos não mais se compartilha e, logo, não há convivência. A figura paterna tem uma dívida de responsabilidade familiar.
A mãe, até alguns anos atrás, era considerada a principal educadora da prole, por uma série de razões que fogem de nosso foco, mas que levavam em conta certas peculiaridades e características psicológicas diferenciadas em razão de sua identidade sexual.
Assim, entendia-se que a educação da prole era uma tarefa tipicamente feminina, por ter mais conta o concreto e os detalhes e em virtude de seu instinto maternal, realismo e especial sensibilidade à unidade de vida que se manifesta nos filhos.
Por outro lado, a revelia paterna justificava-se pela incapacidade do pai em ter aquelas qualidades maternas, agravado pela exacerbada competitividade profissional e pelo natural tendência à abstração. Logo, sua imagem era pouco útil para a educação do filho varão.
Não conheço qualquer resultado empírico que sustente tremenda bobagem: o filho precisa integrar ambos os mundos – paterno e materno – para, depois, na maturidade, assumir e responder adequadamente às complexas contradições que estamos expostos socialmente. Pais e mães têm parecidas habilidades educativas, matizadas por um rico contraste, mas sem que tais matizes justifiquem a exclusão de um ou de outro.
O filho varão precisa se relacionar com ambos, de maneira isolada e conjunta, pois nenhum substitui completamente o outro. O balanço que daí decorre é importante para a educação do filho varão, donde surge a necessidade de um equilíbrio quantitativo e qualitativo nas maneiras pelas quais pai e mãe relacionam-se com os filhos em seus respectivos papéis pedagógicos.
A ausência do pai na educação do filho varão é um fato injustificado cientificamente e de nefastos efeitos não somente para ele, mas com reflexos prejudiciais para a sociedade também. O problema desta ausência, no contexto educativo familiar, é uma questão que, por atingir o próprio núcleo da formação do filho e de sua identidade pessoal, assume uma envergadura irrenunciável.
Seguramente, a maioria está de acordo com a gravidade deste problema, que afeta a todos nós e, mais especialmente, aqueles que se ocupam como pais, psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais e educadores, na tarefa de zelar pela formação das futuras gerações. As soluções divergem num sentido ou noutro.
Vamos aprofundar esse problema e eventuais saídas nos próximos artigos. Entretanto, aqui, não haverá espaço para a retórica progressista, porque sua “beleza” está justamente no fato de que todos sabemos como ela começa e ninguém sabe como ela termina. Com respeito à divergência, é o que penso.
Veja os artigos da série Filhos apátridas:
A figura ausente do pai
Pai ausente: filho sem pátria
Pai ausente: desintegração familiar
Pai ausente: despedida imotivada
Pai ausente: mudança de papéis
Pai ausente: masculinidade em declínio



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André Gonçalves Fernandes é Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Mestre em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Doutorando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito titular de entrância final. Pesquisador do grupo Paideia, na linha de ética, política e educação (FE/UNICAMP) e professor do CEU-IICS Escola de Direito. Coordenador do IFE Campinas. Articulista da Escola Paulista da Magistratura, da qual é também Juiz Instrutor, e do Correio Popular de Campinas, com especialidade na área de Filosofia do Direito, Deontologia Jurídica, Estado e Sociedade. Experiência profissional na área de Direito, com especialidade em Direito Civil, Direito de Família, Direito Constitucional, Deontologia Jurídica, Filosofia do Direito e Hermenêutica Jurídica. Membro da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB/SP, da Escola do Pensamento do IFE ( www.ife.org.br ), do Comitê Científico do CCFT Working Group (Diálogos entre Cultura, Ciência, Filosofia e Teologia), da União dos Juristas Católicos de São Paulo e da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas. Autor de livros publicados no Brasil e no Exte

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